Sob o ponto de vista da cultura e da história (áreas que mais me ocupam no que respeita a desafios académicos e pessoais), a singularidade é sempre exigível, no que respeita às análises.
Não falo do excêntrico pelo excêntrico – e muito pensamento tem sido produzido e veiculado (os órgãos de comunicação adoram-no) que não passa disso mesmo, vulgar excentricidade – mas elevações de novas matrizes, coisas inéditas para usarmos contribuindo para o necessário pensamento “fora da caixa” que pode conter o último reduto curativo para as doenças aparentemente terminais em que a cultura e a história parecem ter estacionado.
É portanto dentro da singularidade que leio Cristophe Guilluy, um francês que resolveu olhar a França sua contemporânea, a Europa de hoje e o nosso mundo em geral com o seu ponto de vista profundo e documentado.
É claro que uma das características culturais e históricas do tempo que vivemos é essa mesma, a de todos nós pretendermos mostrar aos outros o nosso próprio ponto de vista, como se tivéssemos o exclusivo das respostas para os problemas que ajudamos a criar. Christophe, no entanto, é do pequeno grupo daqueles que fundamentam bem e muito o que dizem.
A primeira nota curiosa é a formação escolar de Christophe Guilluy: é geógrafo. Como no passado em alguns geógrafos, Guilluy demanda o social e a construção social das realidades no mapa intrincado do mundo de hoje – e supera a cartografia emocional previsível com uma descida ao mais profundo dos recantos de cada momento vivido recentemente. Releva assim a França fraturada – de que os coletes amarelos são um dos sintomas, e que, sim, todos os sábados saem ainda à rua com a mesma postura de desafiar o poder e criar um mundo qualquer alternativo que ainda não definiram bem o que será.
Guilluy põe o dedo na ferida quando nos explica como a classe política que rege os destinos da Europa é caduca e não representa ninguém. Foi criada num modelo de classe média, saiu dela, falou em seu nome, e atacou-a ferindo-a de morte. E este tocar na chaga ainda é mais gritante quando refere: “A questão central, portanto, não é se uma economia globalizada é eficiente, mas o que fazer com esse modelo quando ele deixa de criar e nutrir uma sociedade coerente?”.
O problema, em suma, tem resposta na geografia, uma nova geografia social que identifica como emprego e riqueza se tornaram cada vez mais concentrados nas grandes cidades, em choque social com tudo o que lhe é periférico. Em França, como nos Estados Unidos, na Inglaterra e até em Portugal.
A diferença que ainda nos sustenta debilmente – e que decididamente não produziu ainda coletes amarelos – é a tentativa de recuperar a baixa classe média, e, graças a modelos sociais aplicados na prática, evitar a todo o custo que o nosso mapa social só tenha dois pontos: o pináculo da elite e a fossa abissal onde se afogam todos os outros.
Alexandre Honrado
Historiador